Atividades marcaram adesão da entidade à Frente
Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do
Aborto
Audiência pública reuniu centenas de mulheres para discutir o aborto como questão de saúde pública (foto: Rafael Werkema)
É
de conhecimento da categoria que desde o 39º Encontro Nacional
CFESS-CRESS, realizado em 2010, em Florianópolis (SC), foi deliberado
coletivamente por assistentes sociais, representando todas as regiões
do país,
o apoio do Conjunto ao movimento feminista em defesa da legalização do aborto. A decisão histórica foi resultado de inúmeros debates que ocorreram sobre o tema ao longo dos últimos anos no Serviço Social.
Por
este motivo, nos dias 17 e 18 de agosto, o CFESS participou de uma
série de atividades em Brasília (DF) que tiveram como pauta o
abortamento no Brasil. A presença do Conselho Federal marcou também,
oficialmente, a adesão da entidade à Frente Nacional contra a
Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto.
"Muitos/as
assistentes sociais trabalham diretamente com as mulheres que sofrem
abortamento inseguro. E se defendemos a legalização e lutamos contra a
criminalização dessas mulheres, é porque consideramos que a maternidade
deve ser uma decisão livre e desejada, e não uma obrigação. Cabe ao
Estado efetivar uma política reprodutiva séria, impedindo a morte e
evitando que milhares de mulheres de baixa renda, predominantemente
negras, permaneçam com a saúde ameaçada por práticas inseguras",
afirmou a coordenadora da Comissão de Ética e Direitos Humanos do
CFESS, Marylucia Mesquita. Ela e Maurílio Matos representaram o CFESS
na Marcha das Margaridas, nas atividades realizadas pela Frente no
Congresso Nacional e na audiência pública que discutiu o tema na semana
passada.
Alguns cartazes contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto (foto: Rafael Werkema)
A ameaça do conservadorismo
A
audiência pública realizada no Senado Federal, no dia 18/8, a pedido da
vice-presidente Subcomissão Permanente em Defesa da Mulher, vinculada à
Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa da Casa, Lídice
da Mata (PSB-BA), reuniu centenas de mulheres e de representantes de
diversos movimentos feministas. E a preocupação foi a mesma em quase
todas as falas: o conservadorismo e o fundamentalismo religioso ainda
têm grande influência dentro do Congresso Nacional.
"Existem
projetos de lei (PL) tramitando na Câmara dos Deputados que violam os
direitos humanos das mulheres. Tem PL que propõe transformar o aborto
em crime hediondo, outro para ser considerado crime de tortura. Ou
seja: os/as deputados/as estão igualando nós, mulheres, a estupradores
e torturadores", criticou Silvia Camurça, da Articulação de Mulheres
Brasileiras (AMB). Ela chamou a atenção também para outros projetos,
como o que proíbe o aborto mesmo em casos de estupro, risco para a mãe
(sendo que, atualmente, a legislação brasileira permite o aborto nesses
casos) e anencefalia, e o PL que oferece benefício financeiro para
vítimas de estupro que decidam levar a gravidez adiante (denominado
pelo movimento feminista de "bolsa estupro").
A representante
da Jornada pelo Aborto Legal, Paula Viana, denunciou a forma de
tratamento dos hospitais às mulheres que sofrem abortamento. "Se não
bastasse o sofrimento causado pelo aborto, ao chegarem aos hospitais,
as mulheres são discriminadas, quando não algemadas em macas",
denunciou.
Outro ponto abordado na audiência foi o fato de que
a eleição presidencial de 2010, sem dúvida, colocou a questão do aborto
na pauta de discussão da sociedade. O problema foi a forma como o tema
foi colocado, prejudicando o debate, já que o mesmo aconteceu sem a
reflexão crítica e consciente sobre os direitos sexuais e direitos
reprodutivos das mulheres, como afirmou a senadora Lídice da Mata.
"Nenhum homem candidato havia enfrentando esse debate anteriormente",
disse.
Sônia Coelho, da Marcha Mundial das Mulheres,
completou: "queremos fazer o debate do aborto a partir da realidade que
as mulheres vivem, e não a partir dos valores e concepções de alguns
setores da sociedade".
Mas nem no Congresso Nacional, que é a
casa do povo, o debate aconteceu sem a interferência de setores
conservadores. Durante o intervalo, assessores parlamentares de
deputados e senadores contrários à descriminalização e legalização do
aborto fotografaram os cartazes e faixas do movimento feminista. E
segundo representantes do movimento, tais fotos costumam ser usadas,
posteriormente, em propagandas contrárias ao direito ao abortamento. "É
um desrespeito, pois estamos aqui para o debate e a ala conservadora
responde dessa maneira. Estamos sendo vigiadas, proibidas de decidir
sobre nosso próprio corpo", afirmou Marylucia Mesquita. "Quando
falamos em Estado laico, presente na Constituição Brasileira, não
significa cercear a liberdade religiosa. Significa que instituições
religiosas não podem impor valores, desrespeitar direitos e interferir
no debate", completou Maurílio Matos.
Após a audiência, os
diversos movimentos de mulheres mantiveram-se no plenário para discutir
estratégias para a plataforma contra a criminalização da mulher e pela
legalização do aborto.
Maurílio Matos e Marylucia Mesquita participaram de diversas atividades, inclusive da audiência pública (foto: Rafael Werkema)
Alguns dados sobre a questão
Na
audiência, foi apresentado o estudo "Advocacy para o acesso ao aborto
legal e seguro", que analisou os efeitos do aborto clandestino em
Pernambuco, Bahia, Paraíba, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro.
Coordenada pelo Ipas Brasil e Grupo Curumin, a pesquisa demonstrou que
os maiores impactos – com mortes e sequelas para a saúde – acontecem
entre mulheres pobres, negras ou indígenas, jovens e de baixa
escolaridade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que
complicações decorrentes do aborto matem 6 mil mulheres todos os anos
na América Latina.
Segundo dados do IPAS (2008), estima-se que a
cada ano, mulheres, ricas e pobres realizam cerca de um milhão de
abortamentos inseguros. Para aquelas que têm recursos, o aborto está
disponível em clínicas particulares com métodos tecnologicamente
avançados, com acompanhamento posterior do/a ginecologista. Para
mulheres pobres, o aborto representa um grave perigo, uma vez que é
praticado em clínicas clandestinas, em condições extremamente
precárias. Ainda segundo dados do IPAS, as mulheres negras estão
submetidas a um risco de mortalidade em consequência de abortamento
três vezes maior que as mulheres brancas.
A agenda feministaDesde
a deliberação do 39º Encontro Nacional, o Conjunto CFESS-CRESS
juntou-se à luta do movimento feminista, que aponta algumas diretrizes
direções como:
- Alterar a legislação punitiva do aborto (Código Penal de 1940) para que o aborto deixe de ser considerado crime;
- Respeitar
à autodeterminação reprodutiva das mulheres: não à maternidade
compulsória. Sim à maternidade livre, voluntária e desejada;
- Assegurar
que todo hospital da Rede Pública coloque em prática a regulamentação
do Ministério da Saúde que dá direito à mulher a fazer o aborto nos
casos previstos em lei, pois a maternidade é um direito, e não pode ser
resultante de um ato de violência;
- Que o Estado garanta a
Política de Saúde Integral e Universal para as mulheres possibilitando
o pleno, exercício de seus direitos sexuais e direitos reprodutivos, em
especial, a efetivação do direito das mulheres de decidir se querem ou
não engravidar e, no caso de uma gravidez indesejada, poder
interrompê-la no Serviço Público;
- Implantar em toda a Rede Pública o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM);
- Ampliar a sensibilização de profissionais de saúde para garantia do aborto previsto em lei;
- Ampliar
divulgação da Norma Técnica "Atenção Humanizada ao Abortamento"
produzida pelo Ministério da Saúde em 2005, que se trata de um guia
para apoiar gestores/profissionais de saúde e introduzir novas
abordagens no acolhimento e na atenção para com as mulheres em processo
de abortamento (espontâneo ou induzido), buscando, assim, assegurar a
saúde e a vida.
Outro documento importante para o debate é a
"Plataforma de Propostas para a Legalização do aborto no Brasil", da
Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização
do Aborto. O material aponta uma série de ações na perspectiva da
defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Alguns documentos que fundamentam o posicionamento do Conjunto CFESS-CRESS
Plataforma de Propostas para a Legalização do aborto no BrasilCFESS Manifesta pela descriminalização e legalização do aborto (setembro de 2009)Moção de apoio à descriminalização do aborto (setembro de 2009) Veja o que já foi publicado no site do CFESSSetores conservadores querem minar evento que discute aborto em UniversidadeConjunto CFESS-CRESS delibera pela defesa da legalização do abortoDia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do AbortoConselho Federal de Serviço Social - CFESS
Gestão Tempo de Luta e Resistência – 2011/2014
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